“O direito de ser removido para acompanhar cônjuge é medida de alto e sensível alcance social, visando à proteção da família, que a Carga Magna considera base da sociedade brasileira (art. 226, caput da CR/88); é justamente sob este prisma que o assunto deve ser tratado, de modo a emprestar a maior efetividade possível ao objetivo a que se destina a norma legal.”
Sabendo da angústia que você sente nesse momento, eu decidi citar essa decisão recente em que o Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Napoleão Nunes Maia Filho, tratando acerca de um caso que envolvia remoção, no (MS 22.283), posicionou-se em favor da proteção ao núcleo familiar.
Se você buscou informações na Instituição onde exerce suas funções e ficou ainda mais chateado pela ausência de um manual que descreva o procedimento adequado para cada demanda, eu posso dizer que esta é a primeira confissão que meus clientes fazem ao chegar em meu escritório.
Compreendendo exatamente que esta é uma queixa da maioria, decidi escrever uma série de artigos sobre remoção de servidores federais. No primeiro deles, eu trouxe os conceitos e as modalidades deste tipo de deslocamento previstas na Lei 8.112/90. Caso você tenha dúvidas quanto a essa parte inicial, aconselho que você faça a leitura deste artigo aqui.
Mas se você já conhece os termos gerais deste tipo de movimentação, o meu propósito aqui é detalhar ainda mais a hipótese em que o servidor necessita de remoção para acompanhar seu cônjuge ou companheiro.
Desde logo, preciso dizer que não são raros os casos em que o Judiciário vem anulando as decisões administrativas que negaram o direito de remoção.
Sim, na leitura deste artigo você vai perceber que, caso a Administração já tenha negado o pedido, é possível ingressar com uma ação judicial para que você possa, enfim, acompanhar seu/sua esposo (a), preservando a convivência entre seu núcleo familiar.
Relembrando, para que você fixe as formas de remoção paras os servidores públicos da União, segue previsão do art. 36 da Lei 8.112/90:
Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção:
I – de ofício, no interesse da Administração;
II – a pedido, a critério da Administração;
III – a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração:
a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração;
b) por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial;
c) em virtude de processo seletivo promovido, na hipótese em que o número de interessados for superior ao número de vagas, de acordo com normas preestabelecidas pelo órgão ou entidade em que aqueles estejam lotados.
Perceba, portanto, que a Lei 8.112/90, que instituiu o Estatuto dos Servidores Públicos Federais, previu no inciso III do art. 36, acima transcrito, três situações em que há permissão do deslocamento do servidor, a pedido, no âmbito do mesmo quadro funcional, independentemente do interesse da Administração e da existência de vaga disponível.
Isso mesmo, nos casos enquadrados no inciso III, a remoção passa a figurar como direito subjetivo do servidor já que, preenchidos os requisitos, a Administração tem o dever jurídico de promover a movimentação do servidor naquele mesmo quadro de pessoal.
Não há espaço para deliberação acerca dos critérios de conveniência e oportunidade, não há análise das necessidades da Instituição e, como eu disse antes, muito menos, da existência de vaga no local para onde o servidor deseja ser deslocado.
Tal imposição está fundamentada no princípio da proteção à família, consignado no art. 226 da Constituição Federal, conforme mencionado no trecho da decisão de relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho do STJ, transcrita logo no início deste artigo.
Será que você notou o principal detalhe contido na alínea “a”, do inciso III?
Ora, para a concessão do deslocamento, o primeiro requisito fixado pela lei é de que o cônjuge ou companheiro seja, também, servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Para que não restem quaisquer dúvidas quanto ao conceito, o Estatuto dos Servidores Públicos Federais estabeleceu que, para os efeitos daquela lei, servidor é a pessoa legalmente investida em cargo público.
“Rebeca, para que você está trazendo o conceito de servidor público?
Porque há uma boa notícia! Tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm empregado interpretação ampliativa a este conceito, de maneira que não apenas aqueles que prestaram concurso para cargos da administração direta, mas também os que estão vinculados à administração indireta são alcançados pela possibilidade de remoção aqui tratada.
Para que você consiga visualizar na prática como isso pode se dar, seguindo entendimento do STF, o STJ reconheceu o direito de um Auditor da Receita Federal em Mossoró/RN de acompanhar sua esposa, empregada da ECT – Empresa de Correios e Telégrafos (Agente de Correios), que foi transferida para Natal/RN para ocupar função comissionada (Chefe de Seção), veja a decisão:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. REMOÇÃO PARA ACOMPANHAMENTO DO CÔNJUGE. EMPREGADA PÚBLICA DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. TRANSFERÊNCIA EX OFFICIO. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA DO CONCEITO DE SERVIDOR PÚBLICO. PRECEDENTES DO STJ E DO STF.
Na espécie, cuida-se de Auditor Fiscal da Receita Federal que busca acompanhar sua esposa, empregada pública federal, transferida por necessidade do serviço para a Gerência de Vendas/DR/RN da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em Natal/RN, limitando-se a demanda unicamente acerca da interpretação conferida ao artigo 36, III, “a”, da Lei n. 8.112/1990.
O Pleno do Supremo Tribunal Federal já pacificou o tema no sentido de que a alínea “a” do parágrafo único do art. 36 da Lei n. 8.112/1990 não exige que o cônjuge do servidor público seja também regido pelo Estatuto dos Servidores Públicos Federais, visto que “[a] expressão legal ‘servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios’ não é outra senão a que se lê na cabeça do art. 37 da Constituição Federal para alcançar, justamente, todo e qualquer servidor da Administração Pública, tanto a Administração Direta quanto a Indireta.” (MS n. 23.058, Relator Ministro Carlos Britto, Tribunal Pleno, DJe: 14/11/2008).
A jurisprudência desta Corte Superior tem atribuído uma interpretação ampliativa ao conceito de servidor público para alcançar não apenas os que se vinculam à Administração Direta como também os que exercem suas atividades nas entidades da Administração Indireta. Nesse sentido: AgRg no REsp n. 1.408.930/PE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 28/3/2016; REsp n. 1.511.736/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 30/3/2015.
Recurso especial provido. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.597.093 – RN (2016/0100965-0))
Compreendido este ponto, o segundo requisito para concessão desta modalidade de remoção é que o cônjuge ou companheiro tenha sido deslocado no interesse da Administração, ou seja, por necessidade do serviço.
Há uma linha tênue e, por vezes, bastante confusa nessa questão. Mas o que deve ser preponderante é que a movimentação do cônjuge não tenha se dado por sua escolha e, sim, tenha sido uma imposição da entidade.
Seguindo exatamente esse raciocínio, o Judiciário vem negando pedido de servidor para acompanhamento de cônjuge em virtude de posse em concurso público.
Nestes casos, considera-se que, por interesse próprio, o candidato se submeteu a concurso público, ciente de que, caso lograsse êxito, teria que residir em localidade diversa de seu cônjuge.
Para demonstrar tal posicionamento, segue decisão do STJ:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REMOÇÃO A PEDIDO. ART. 36, PARÁGRAFO ÚNICO, III, “A”, DA LEI 8.112/90. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
- A orientação do STJ vem afirmando que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, consagra o princípio da proteção à família como base da sociedade brasileira e dever do Estado. Contudo, a tutela à família não é absoluta. Para que seja deferido o deslocamento do servidor pelo Judiciário, nos casos em que a pretensão for negada pela Administração, ele tem de comprovar que sua situação se subsume em uma das hipóteses taxativamente previstas para concessão do benefício quando inexistente interesse administrativo no ato.
- Verifica-se que a remoção para acompanhamento de cônjuge exige prévio deslocamento de qualquer deles no interesse da Administração, inadmitindo-se qualquer outra forma de alteração de domicílio.
- In casu, não ficou demostrado que a situação se encaixa nas hipóteses que preveem a remoção como direito subjetivo do servidor, uma vez que consta nos autos que a recorrida, ora agravante, teve que alterar seu domicílio, em virtude de aprovação em concurso público; assim, estava ciente de que iria assumir o cargo em local diverso da residência do marido.
[…]
Agravo Regimental não provido (AgRg no REsp. 1.453.357/RN, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 9.10.2014).
Caro servidor, se este for o seu caso, o art. 84 da Lei 8.112 pode te socorrer. Ele previu que “poderá ser concedida licença ao servidor para acompanhar cônjuge ou companheiro que foi deslocado para outro ponto do território nacional, para o exterior ou para o exercício de mandato eletivo dos Poderes Executivo e Legislativo”.
Veja, é importante mencionar que tal licença terá prazo indeterminado e se dará sem remuneração. Mas, para que não haja prejuízo do salário, é possível “haver exercício provisório em órgão ou entidade da Administração Federal direta, autárquica ou fundacional, desde que para o exercício de atividade compatível com o seu cargo”.
Bem, apesar de bastante técnico este tema, eu espero que você tenha compreendido o objetivo fundamental deste artigo.
A minha intenção foi demonstrar que nos casos em que o direito houver sido negado pela Instituição onde você trabalha, preenchidos os requisitos dispostos na lei, a remoção poderá ser concedida pelo Poder Judiciário.
Caso tenha ficado alguma dúvida, estou à disposição.
Até o próximo artigo!