Negativa de Cobertura em Tratamentos de Câncer: Quando a Burocracia Viola a Dignidade Humana

A vida, em seus ciclos mais delicados, exige de nós sensibilidade, humanidade e responsabilidade.

Quando o corpo adoece — especialmente em idade avançada — o que se espera é cuidado, amparo e respeito.

Infelizmente, para muitos beneficiários de planos de saúde, a realidade é marcada por um tipo de violência silenciosa: a negativa do atendimento justo e necessário.

Imagine-se no lugar de um homem de 70 anos, diabético, hipertenso e obeso que, após exames de rotina, descobre duas lesões malignas: uma no rim e outra na próstata.

Diante da gravidade, submete-se com urgência a uma nefrectomia parcial e, em seguida, recebe a confirmação de câncer de próstata com recomendação médica expressa para cirurgia robótica radical — uma técnica moderna, segura e menos invasiva.

A única exigência?Que sua operadora de saúde cumprisse o contrato e autorizasse o procedimento.

Mas o que poderia ser um exemplo de resposta célere ao sofrimento humano se transforma em um teatro de omissão.

A operadora, valendo-se de uma interpretação restritiva do rol de procedimentos da ANS e do parecer da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC), negou cobertura ao tratamento recomendado. Um cenário, infelizmente, ainda frequente no Brasil: o plano de saúde se arroga o direito de substituir a decisão médica por uma leitura burocrática e insensível de normas administrativas.

Não se tratava de um pedido experimental, tampouco de uma indicação sem respaldo técnico. Ao contrário: a recomendação partiu de médico credenciado, com base em laudos clínicos e exames precisos.

Ainda assim, a operadora preferiu ignorar a ciência, a medicina e a dignidade do paciente — optando por economizar às custas da saúde de um ser humano vulnerável.

O caso — julgado recentemente pela 18ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza — gerou não só perplexidade como também repúdio judicial.

A negativa de cobertura, além de agravar o sofrimento do paciente, violou princípios constitucionais, como o direito à saúde e à dignidade da pessoa humana.

A sentença foi categórica ao reconhecer a abusividade da recusa e a jurisprudência vai no mesmo sentido.

O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que “é obrigatório o custeio pelo plano de saúde de exames, medicamentos e procedimentos para o tratamento de câncer, sendo irrelevante a natureza taxativa ou exemplificativa do Rol da ANS”.

Deveras, a jurisprudência tem sido firme no sentido de que somente ao médico é dado estabelecer qual o tratamento adequado para alcançar a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade que acometeu o paciente, ou seja, a operadora de saúde não pode se imiscuir na autonomia do profissional médico, especialmente quando o procedimento indicado é reconhecido como mais seguro e eficaz para o caso concreto.

A recusa, nesses termos, não só é abusiva como representa afronta ao direito do consumidor e à boa-fé contratual.

Fatos como esse nos levam a uma reflexão mais profunda: qual o papel social das operadoras de saúde?

Seriam apenas empresas com fins lucrativos, ou instituições que, ao venderem planos de assistência, assumem uma função essencial na rede de proteção à vida?

Infelizmente, a postura de parte do setor tem sido a de blindar seus interesses financeiros com muros altos de burocracia — ainda que para isso seja necessário sacrificar o tempo, a saúde e a esperança de seus beneficiários.

É tempo de repensar.

A saúde não pode ser tratada como um negócio qualquer. A negativa indevida de cobertura representa, para o Judiciário, uma violação grave de direitos fundamentais. E para o paciente, uma traição intolerável.